A pesquisa documental é uma das técnicas decisivas para a pesquisa em ciências sociais e humanas. Ela é indispensável porque a maior parte das fontes escritas – ou não escritas - são quase sempre a base do trabalho de investigação. Saint-Georges (1997: 30) considera que «a pesquisa documental apresenta-se como um método de recolha e de verificação de dados: visa o acesso às fontes pertinentes, escritas ou não, e, a esse título, faz parte integrante da heurística da investigação». A pesquisa documental deve muito à História e sobretudo aos seus métodos críticos de investigação sobre fontes escritas. Cohen e Manion (1990: 75) esclarecem que «os últimos anos têm sido testemunhas de um processo de aproximação entre a investigação histórica e a investigação noutras áreas...». E isto acontece porque a investigação histórica ao pretender estabelecer sínteses sistemáticas dos acontecimentos históricos serviu, sobretudo às ciências sociais, no sentido da reconstrução crítica de dados que permitam inferências e conclusões. Enfim, a possibilidade de a partir de dados passados, perspectivar o futuro e a partir deste compreender os seus antecedentes, numa espécie de reconstrução (Cohen & Manion, 1990).
A propósito das fontes documentais existe uma grande aproximação na definição de conceitos, senão uma certa unanimidade em considerar as mesmas integradas na tipologia de fontes primárias e fontes secundárias. As primeiras enquanto fontes de época, e as segundas como fontes interpretativas baseadas nas primeiras (Bell, 1997; Burgess, 1997; Cohen & Manion, 1990; Deshaies, 1997). Adequando esta perspectiva às questões da educação, outros autores preferem designar as fontes documentais [oficiais] como documentos internos e como comunicações externas, considerando todos estes dados como muito importantes para os investigadores qualitativos (Bogdan & Biklen, 1999). Também Burgess (1997:135-6) partilha desta ideia quando diz que «a grande variedade de materiais escritos e audiovisuais disponíveis não pode deixar de chamar a atenção dos investigadores…». Semelhante a esta perspectiva Bell (1997: 91-92) considera ainda, dentro das fontes primárias, as fontes deliberadas e as fontes inadvertidas, referindo que estas últimas são as «mais comuns e constituem, geralmente, a fonte primária mais valiosa». No mesmo sentido se expressam Cohen e Manion (1990: 85) quando afirmam «a importância de usar fontes primárias de dados quando for possível». Na verdade, tudo isto tem o sentido expresso por Saint-Georges (1997: 17) quando afirma que se devem «considerar os documentos (escritos ou não) como verdadeiros factos de sociedade».
Diferentemente desta tipologia relativa à pesquisa documental, pode referir-se ainda a divisão entre fontes não escritas e fontes escritas e dentro destas as fontes oficiais, não oficiais e estatísticas (Saint-Georges, 1997).
As fontes documentais devem ser analisadas de forma crítica para que se enquadrem no contexto histórico e social do momento em que foram produzidas. Estes documentos são usados para definir categorias sociais e explanar processos sociais (Burgess, 1997). Mas antes de qualquer análise documental o investigador deve questionar a sua pertinência e eficácia, sobretudo se não tiver certezas dos dados que poderá obter com os documentos (Bell, 1997). Saint-Georges (1997: 41) afirma mesmo que «é raro ser possível aceitar de imediato um testemunho (...) Impõe-se sempre uma atitude crítica».
No que respeita à análise de documentos, Burgess (1997: 149-50) fala de «questões acerca da autenticidade, da distorção, da fraude, da disponibilidade e da amostragem...» Por exemplo, autenticidade pode ser um problema resultante do material coligido por narrativa oral, ou por outra qualquer forma a pedido do investigador, e sobretudo a informação documental não solicitada, a qual pode pecar por ser forjada ou inautêntica, ou não representativa. Por isso o investigador deve considerar várias estratégias de abordagem dos documentos e sobretudo usar elementos de análise comparativa entre este método e outros. Burgess (1997: 152) defende que a informação documental «tem que ser contextualizada [isto se] os materiais se destinam a ser usados de modo descritivo ou em termos de estabelecimento de generalizações». Compreende-se que assim seja, dado que os documentos são feitos por pessoas e, conforme refere Saint-Georges (1997: 41), «o que os indivíduos e grupos exprimem é o reflexo da sua situação social, dos seus pólos de interesse, da sua vontade de afirmarem o seu poder, do seu sistema de crenças, dos seus conhecimentos».
A análise documental vive muito da crítica histórica que, segundo Cohen e Manion (1990: 87), «usualmente se desenrola em duas fases: primeiro, valoriza-se a autenticidade da fonte; segundo, avalia-se a precisão ou valor dos dados. Os dois processos conhecem-se como crítica externa e interna, respectivamente».
Como vimos a análise crítica de documentos é quase sempre expressa em crítica externa e crítica interna, sendo esta muito usada em pesquisas educacionais (Bell, 1997; Deshaies, 1997). A crítica externa pretende apurar a autenticidade e genuinidade dos documentos, portanto, a sua veracidade nos dois níveis, enquanto a crítica interna pretende sujeitar o documento a uma análise rigorosa, baseada em perguntas sobre a história do conteúdo e forma do documento (Bell, 1997).
Tendo como base a noção de crítica histórica, Saint-Georges (1997: 42-44) apresenta um processo de análise documental que pretende «examinar metodicamente os documentos para se esforçar por determinar o seu alcance real e tentar medir o grau de confiança que possa ser-lhes concedido, tanto no que são como no que dizem». Este processo assenta em três fases sucessivas e complementares: i) a crítica interna do documento – efectuar uma leitura atenta do texto, procurando interpretá-lo; ii) a crítica externa ou crítica da testemunha- o que vai ser examinado já não é a mensagem, o texto, mas os aspectos materiais do documento; iii) a crítica do testemunho: “confirmar a informação”- confrontar o testemunho examinado com outros testemunhos independentes do primeiro. No final destas três fases já é possível tentar a síntese das informações recolhidas.
No que respeita ao procedimento relativo à análise documental, ele foi realizado no decurso dos seguintes momentos:
1º momento:
No início da pesquisa documental foi necessário proceder a uma recolha e sistematização de todos os documentos escritos e não escritos dispersos por várias locais. Como o projecto da Casa Memória de Alte tinha sido desenvolvido por várias entidades, foi preciso estabelecer contactos com todas aquelas que detinham, em arquivo, informação sobre o mesmo. Assim, foram utilizados: i) os arquivos existentes na Junta de Freguesia de Alte, dedicados preferencialmente aos aspectos de instalação logística e financeira da Casa; ii) os arquivos da Câmara Municipal de Loulé, relativos preferencialmente aos aspectos administrativos e técnicos do Pólo Museológico do Esparto, instalado na Casa; iii) e os arquivos da própria Casa, estes mais intensamente relativos aos aspectos de conteúdo técnico da mesma. Estando os documentos dispersos e havendo a noção de nem sempre se repetirem os mesmos, foi necessário proceder à sua cópia integral nos três locais, retirar os documentos repetidos e depois organizá-los por ordem cronológica num dossier apropriado. O dossier integra, assim, diversos tipos de documentos: fotografias a cor e a preto e branco; mapas; plantas; formulários; folhetos; actas; notas avulsas manuscritas; projectos; formulários oficiais; relatórios; memorandos; etc. Devemos referir que as entidades não colocaram problemas de maior a este trabalho, dado que o mesmo foi executado nos próprios locais, havendo apenas o desejo de que os dossiers não se retirassem dos seus espaços de arquivo. Este trabalho foi sempre negociado com os responsáveis, com a contrapartida de que no final do trabalho se entregasse um arquivo organizado a cada uma das três entidades. O facto de o investigador ter trabalhado neste projecto, na altura da sua execução, facilitou sobremaneira as tarefas referidas.
Deve ainda referir-se que, fora do arquivo documental constituído, foram consideradas outras fontes primárias, não escritas, como sejam: i) peças de artesanato de esparto, da colecção do Pólo Museológico; ii) instrumentos de trabalho ligados à manufactura do esparto, presentes ou não no Pólo; iii) diapositivos dos anos 30 e seguintes do século passado, em arquivo ou em projecção na Casa; iv) registos musicais em fita magnética ou suporte digital.
2º momento:
A documentação organizada foi sujeita a uma crítica externa na tentativa de clarificar os aspectos de autenticidade e genuinidade da mesma, não se encontrando qualquer documento forjado com outros propósitos que não a documentalidade dos vários aspectos do projecto. São todos documentos de época e mostram bem o contexto de trabalho e discussão que envolveu o processo de construção da Casa Memória de Alte. O facto de o investigador ter manuseado e participado na redacção de muitos dos documentos – para além de poder levantar problemas de subjectividade inerentes – prova ainda, a contrario, a veracidade dos documentos
[HFR-2004]