A Sic deu e propalou a notícia: na Escola do Ensino Básico da Coca Maravilhas em Portimão, pais de origem cigana entram na escola para bater em duas professoras, após uma repreensão a um dos seus filhos, por motivos de um despique entre alunos. Para dar a dimensão multicultural da escola, a jornalista diz que a mesma tem alunos de 21 etnias, que depois corrige para nacionalidades. Na verdade, sendo verdade a segunda asserção e não a primeira, isso não traz problema nenhum. Ouvida a presidente do conselho executivo, esta diz: "os ciganos têm uma forma própria de funcionar, têm mais solidariedade e pensam que podem fazer justiça pelas suas próprias mãos". Ora bem, sabemos que a entrada, na escola, de etnias diferentes traz com ela a entrada das suas diferentes culturas, com as quais é preciso lidar de forma intercultural, isto é, negociando as normas inerentes a cada cultura num processo participado por todos. A entrada de alunos de etnias diferentes na escola, designadamente da etnia cigana não deixa à porta da escola os seus traços culturais. Habituados à segregação e cultivando uma cultura baseada na desconfiança do "gadjo" [o não-cigano] e afastados da escola, enquanto marca educativo-cultural dos povos sedentarizados, os alunos ciganos ainda não integraram, no seu mecanismo cognitivo e cultural, os climas fechados, disciplinados e normativos dos espaços educativos. Isso deve entender-se, porque a única maneira de lidar com as diferenças étnicas é perceber as diferenças culturais de cada um. Acresce que esta escola se situa numa complexa área de realojamento habitacional, de uma enorme complexidade, que mostra a guetização dos moradores vindos de áreas degradadas, abandonadas ou destruídas pela industrialização. Afastados dos centros de decisão e pour cause, dos centros do poder, a tendência não é só fazer justiça pelas suas próprias mãos, quer seja a justiça cigana ou a justiça lusa; nestes locais fomenta-se a xenofobia e o racismo, muitas vezes estimulado pelos media no seu papel de busca e promoção do reality show, da degradação humana.
Moral da história: quase sempre a xenofobia não está nas nossas declarações de intenção, quase sempre pretendemos afastá-la da nossa prática, mas ela espreita sempre que entra em risco a estabilidade dos "nossos valores" culturais.
[publicado no jornal «barlavento» de 18 de novembro de 2004]
Moral da história: quase sempre a xenofobia não está nas nossas declarações de intenção, quase sempre pretendemos afastá-la da nossa prática, mas ela espreita sempre que entra em risco a estabilidade dos "nossos valores" culturais.
[publicado no jornal «barlavento» de 18 de novembro de 2004]