quinta-feira, setembro 01, 2005

Texto de Apoio 1

EDUCAÇÃO E HUMANIDADE

1. A educação é o mais humano e humanizador de todos os trabalhos do homem. Naturalmente, por isso, encerra limites, pois pressupõe que apesar de sermos deficientemente educados, deveríamos educar melhor os nossos filhos. Provavelmente, por isso, ela raramente cumpre todos os seus objectivos.
2. A educação questiona-se sempre em torno dos seus objectivos ou das suas funções: ela deve preparar competidores profissionais ou formar pessoas? Deve potenciar autonomias ou reforçar coesões sociais? Deve apostar na estabilidade ou na mudança criativa? Pode, enfim, agregar ao mesmo tempo estes objectivos contraditórios?
3. Educar é acreditar na competência humana, na sua capacidade em aprender coisas que sabemos que existem e que merecem ser percebidas, melhorando assim o conhecimento.
4. A neotenia designa a prematuridade do conhecimento humano, que comparativamente ao macaco, por exemplo, mostra a incapacidade e a incompetência do que somos e sabemos antes de nos formarmos como homens. É o macaco nú de Desmond Morris. Trata-se de uma plasticidade ou disponibilidade de desenvolvimento: primeiro, biológica, depois social (mimética). É a educabilidade dos pedagogos.
5. Os indivíduos permanecem permanentemente abertos a novos saberes, passíveis de educação, imaturos e experimentadores. Este é o campo da educação permanente.
6. É a constatação da ignorância que determina o esforço pedagógico para ensinar, através da imitação forçosa, socialmente compelida (Bruner). Lembra a frase socrática: “só sei que nada sei”.
7. Como Platão, poderíamos dizer que, onde toda a gente pensa que sabe ou que tanto faz saber como ignorar, não pode haver educação nem verdadeira humanidade. Ensinar é sempre ensinar ao que não sabe, deplorando a ignorância alheia.
8. O processo educativo pode ser informal, veiculado pela socialização primária, através da família ou da comunidade, ou formal, por interpostas pessoas socialmente designadas para tal, normalmente na escola enquanto socialização secundária. Trata-se de uma ligação entre o amor e pedagogia, visando a criação social humana.
9. O que é próprio do homem, não é tanto o acto de aprender, mas sim o facto de aprender socialmente de outros homens. Por isso o nosso mestre não é a experienciação da vida no mundo, mas a interacção com outras consciências. Lembra a interacção dialógica freiriana.
10. Nessa interacção aprendemos as coisas no que são, mas, sobretudo o que elas significam, entre nós.
11. A verdadeira educação consiste em ensinar a pensar e, sobretudo, aprender a pensar sobre o que se pensa, portanto de forma reflexiva e crítica.
12. O primeiro objectivo da educação pretende tornar-nos conscientes da realidade dos nossos semelhantes. Isso implica considerá-los sujeitos e não objectos, protagonistas de vida e não comparsas vazios da nossa vida. É a concepção bancária da educação, de Paulo Freire.
13. O sentido da vida humana não é um monólogo, mas uma polifonia coral. Antes de mais a educação é a revelação dos outros, da condição humana colectiva.

Fonte: Savater, F. (1997). O Valor de Educar. Lisboa: Presença (pp. 13-32)